Bem, já faz muito tempo. Eu tinha nove ou dez anos, não me lembro muito bem. Minha tia do Rio de Janeiro foi pra nossa casa nos visitar. Hilda era o nome dela. Sem dúvida, era a pessoa que eu mais era apegada depois do meu pai e da minha mãe. Eu amava muito ela. Como minha tia morava muito longe, eu só a via em feriados e em datas especiais, mas nem mesmo a distância e a pouca freqüência que eu a via me fazia amá-la menos, pelo contrário, era uma das pessoas que eu mais amava.
Ela nunca foi gorda e nem muito magra, mas tinha o corpo muito bonito, mesmo sendo a irmã mais velha do meu pai. Mas uma vez ela estava mais magra que de costume. Não um pouco magra, mas muito, muito mais magra. O cigarro sempre foi um vício dela e do meu pai, e pensamos que seria o cigarro o causador da perda de peso. O cigarro não foi o culpado diretamente, mas com certeza, foi uma parte significativa da doença da minha tia. Em 2004, ela descobriu que tinha câncer.
Não me lembro se me contaram ou não. Acho que mesmo se soubesse, não veria muita gravidade na doença já que a maior parte da família do meu pai teve câncer, inclusive ele.
De qualquer forma, ela começou a quimioterapia. Eu fiquei muito tempo sem vê-la, meus pais não queriam que eu a visse passando pela dor do tratamento. Até que em outubro de 2005 eu fui no Rio de Janeiro visitá-la. Seu rosto magro e pálido e seu corpo sem forma, me deixaram preocupada quando vi minha tia. Fiquei ainda mais preocupada quando vi que na sua cabeça não tinha mais cabelo, mas sim, uma peruca. Apesar da aparência de doente, ela ainda tinha um sorriso lindo e um coração enorme que me confortava, mesmo tendo que se mostrar forte para não preocupar sua sobrinha querida.
Então meus pais e eu voltamos para casa, com muitas expectativas de melhora. Mas infelizmente, não houve melhora. Aquela foi a última vez que vi minha tia viva. Ela morreu no dia 26 de dezembro de 2005, vinte e nove dias depois do meu pai morrer. Com certeza as lembranças daquele fim de ano são as piores, são lembranças que, mesmo depois de quase cinco anos, carrego no meu peito como se fosse um fardo pesado, e que machuca toda vez que meu coração triste faz questão de lembrar.
Eu perdi duas das três pessoas que eu mais amava em menos de um mês, e tinha somente 11 anos. Acho que ninguém pode imaginar toda dor e solidão que eu passei. Todos os dias que sentia saudade, todas as noites em que dormia chorando, e toda a dor que acordava comigo e habitava minha alma, ninguém sabe como é.
Todos os pensamentos ruins que passavam pela minha cabeça, toda revolta que eu expressava no meu rosto pintado, e toda descrença da vida, ninguém nunca vai entender.
Perder uma (no meu caso duas) partes de você, é uma dor insuportável e uma ferida que nunca cicatriza. O tempo passa e as lembranças vão ficando menos freqüentes, e a dor fica um pouco de lado.
Mas se tem uma coisa que eu nunca vou esquecer é do quanto eu amava e ainda amo meu pai e minha tia. Pode passar o tempo que for, o cheiro e o sorriso deles ainda é tão vivo no meu coração quanto ou até mais que qualquer outra coisa.
Eu só queria ter passado mais tempo com eles e ter dito o quanto eu os amava. Mas sei que onde quer que estejam, estão me vendo e sabem que eu os amo e sempre penso neles. Isso tempo nenhum muda e nenhum texto descreve.
Só queria dizer é que a dor aperta de vez em quando, e em dias como esse a lembrança é inevitável. Eu os amo muito, só queria que eles soubessem disso..
Anna Luisa Pires